22 novembro 2013

O Frio

William Douglas, 22/11/2013

A pior frieza não é quieta, mas a explicada. Não é não ter cobertores para o frio, mas vê-los dobrados enquanto você treme na calada da noite. 




Aprendi a apreciar a frieza assumida, o ódio revelado, a inconsistência explicitada na voz e nos gestos

O que dói mesmo é a frieza com argumentos, aquela que além de deixar você ao relento ainda espera de sua pessoa compreensão e nobreza. É como deixar alguém com fome e dizer que esta fome é justa, que ela se prova por “a” + “b”. Você sente vergonha de ter fome. Isso enquanto seu estômago ronca. 

A pior solidão é a justificada, onde o outro delicadamente desenha um plano cartesiano ilustrado com diagramas e ornado de pesquisas mostrando que a reta tal não encontra o eixo por uma razão e que tudo deve ser assim. E promete que esta sua solidão é meramente temporária, que o frio um dia passa, que a fome será saciada, e que no final – e isso não se diz, apenas se insinua – você é que tem pressa, e frio a destempo, e fome demais. E você morre de qualquer coisa em um oásis pronto que se apresenta como por inaugurar em breve.


Você continua com frio, e fome, e solitário, e tudo isso olhando colchões e cobertores térmicos, e uma mesa completa e farta que alimentaria o mundo, e fica com sede dentro de um aquário sem água posto no meio de um oceano. 


Um dia você acorda e descobre que é dono de um oásis gentil que não explora. Você é a criança triste que recebe um brinquedo que não pode sair da caixa.

Por isso tenho certa simpatia pelo ódio revelado. Este lhe permite a luta, a fuga, ou no pior dos casos uma derrota nobre. Se há falta de cobertas, pode se seguir em sua alma uma resignação, a resignação dos pobres, mas como enfrentar o frio diante de um aquecedor que se teima, que alguém teima, deixar no “off”? E então vive-se de migalhas e misérias, de paninhos que não cobrem todo seu corpo, e você sente raiva de si mesmo por ser grande e sentir frio.

Por isso gosto das pessoas que não me amam, pelas que são corajosas de interpor sua frieza sem argumentos, que se puderem me deixarão passar frio. Um frio sincero, um frio inevitável, um frio assim eu enfrento sorrindo. Mas nada pior que o frio explicado, ao lado de uma montanha de cobertas. 


E eu me pergunto se quando amo, alimento, aqueço, abraço. Porque qualquer amor que não aqueça não é melhor que o ódio.

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