Se quisermos aprender como se trabalha para a glória de Deus, precisamos olhar para o ministério de Cristo, encarnado. Paulo disse que deveríamos ter em nós o “mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que, existindo em forma de Deus, não considerou o fato de ser igual a Deus algo a que devesse se apegar, mas, pelo contrário, esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens (Fl 2.5-8)”.
O grande problema é quando homens tem o mesmo sentimento que houve em "Adão." Apegam-se ao fato de quererem ser como Deus, enchendo-se de si mesmos, assumindo forma de senhores, e fazendo-se semelhantes a Deus. No outro evangelho vemos exibicionismo e propaganda, mas no ministério de Jesus vemos humildade.
Um dos momentos mais extraordinários e gloriosos do de seu tempo na terra foi a transfiguração (Marcos 9). A bíblia diz que Jesus tomou Pedro, Tiago e João e levou-os em particular a um alto monte; e foi transfigurado diante deles (v.2). Que belo momento seria para fazer um bom marketing de seu ministério. No ato da transfiguração as roupas dele resplandeceram e ficaram extremamente brancas, como nenhum lavandeiro na terra poderia branqueá-las (v.3). Diante da manifestação da glória eterna sobre Si, Ele, o Filho encarnado, decidiu ir para um lugar escondido, e levar consigo, não uma multidão, nem, sequer, os doze, mas apenas três de seus discípulos.
Jesus não fez de seu ministério um picadeiro. Ele não quis holofotes sobre si. Ele subiu para orar e somente diante de seus discípulos foi transfigurado em glória. Imagine o grande espetáculo que isso poderia ser para a grande multidão. Um povo acostumado ao sistema “pão e circo” dos romanos ficaria estupefato com tanta glória visível.
Na transfiguração Cristo atravessou a barreira da temporalidade. Elias e Moisés apareceram diante deles e falavam com Jesus (v.4). Ali estava a representação da Lei e dos profetas. Ao observar a extraordinária e espetacular transfiguração, Pedro, o mais atirado dos apóstolos, tomou a palavra e deu uma sugestão: “Mestre, é bom estarmos aqui; façamos três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias” (v.6). O rude pescador fez uma proposta que igualava Cristo a Moisés e a Elias. Porém, Deus, o Pai, interpelou, glorificando a Jesus, mostrando que todas as coisas convergem na Pessoa do Filho, e que Ele não só estava acima (incalculavelmente acima) de Moisés e Elias, mas que Ele mesmo era o cumprimento da Lei e dos profetas (Mateus 4.17).
A voz que ecoou do Pai não disse “estes são meus filhos amados”, mas exaltou somente a Cristo. Ele, o Filho, deveria ser ouvido (v.7). Cristo não foi exaltado em seu ministério terreno diante de uma grande multidão, mas no anonimato de um lugar deserto e na escuridão da noite. O Pai teve de controlar sua poderosíssima voz para não acordar a Palestina, nem o restante do mundo com sua declaração. Diferente do que fez na humilhação e sofrimento de seu Filho na cruz, que aconteceu à luz do dia, diante de todos os que passavam, Cristo estava sendo exaltado como na ocasião de seu nascimento; diante de pessoas simples, e com audiência celestial (Lucas 1.8-14). Vemos na transfiguração que Jesus não buscava glória para si, embora fosse (e seja) o Senhor de toda glória (1 Pedro 4.11).
Depois do extraordinário acontecido, os discípulos olharam ao redor e “não viram mais ninguém, a não ser Jesus” (v.8). Ele mostrou ser o centro de tudo o que estava acontecendo. É assim hoje, e sempre será. Não há outra pessoa que mereça a glória que pertence a Jesus. Ao olharmos para Ele, não precisamos olhar para mais ninguém (Isaías 45.22). Ele é nossa salvação. Não somos salvos pela Lei, nem pelos profetas, mas por Cristo, o cumprimento de todas as coisas.
Mesmo com tanta glória enrustida sob a aparência maltratada pelo sol da Galileia, o Sol da Justiça, que acabara de mostrar um pouco de sua glória por uma mísera fresta da eternidade, na descida, já foi dando ordens aos três expectadores do miraculoso, dizendo que a ninguém contassem o que tinham visto, até que Ele ressuscitasse dentre os mortos (v.9). Ele não queria ibope. Aquele momento de intimidade extrema com o Pai não deveria vazar para as baias públicas como reality show. O que acontece entre nós e Pai no quarto a portas fechadas, não deve ser transformado em capa de jornal.
Ao chegarem lá embaixo viram os outros discípulos e ao redor deles uma grande multidão, com alguns escribas discutindo com eles. Jesus perguntou qual era o assunto (v.14-16). Alguém dentre a multidão lhe respondeu que havia levado seu filho que um espírito mudo que lhe causava convulsões, fazendo o menino espumar pela boca, ranger os dentes e se enrijecer. A pessoa ainda disse que os discípulos que estavam ali não haviam conseguido expulsar o demônio. Depois de evidenciar a incredulidade de seus seguidores, Jesus pediu que trouxessem o menino até Ele. Ao ver Jesus, o espírito imediatamente provocou-lhe uma convulsão, e o endemoninhado, caiu ao chão e rolava, espumando pela boca (v.20).
Podemos ver aqui os grandiosos contrastes a que são submetidos os chamados pra seguir a Jesus. Momentos antes, três discípulos estavam caídos no chão (Mateus 17.6) diante da celestial transfiguração do Filho, pelo Pai celestial. Agora, porém, estavam diante do filho de alguém, que rolava no chão, transfigurado pelo diabo. Cristo assim nos mostra que o ministério de seus discípulos não se dá somente na intimidade com o Pai, mas também no confronto com inimigo. Mostra-nos que a grandeza do cristão não é só ser tocado pelo Senhor, mas também tocar no menino e expulsar o demônio parasitário. Ser alvo da Graça, mas pisar também no chão da desgraça.
No verso 25 do texto em tela, vemos uma atitude de Jesus que contraria todo o espetáculo religioso moderno. “Vendo que a multidão, correndo, aglomerava-se, Jesus repreendeu o espírito impuro, dizendo: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai dele e nunca mais entres nele”. Multidões amam ver desgraças. Se houver um acidente, mesmo que a estrada já esteja desimpedida, haverá trânsito lento, por conta de uma procissão de carros guiados por pessoas que desejam conferir se a cor do sangue ainda é vermelha. Jesus sabia disso e não permitiu que a desgraça daquele menino se transformasse em Show da Fé. Ele foi logo ordenando a que o imundo saísse do menino, sem fazer alardes ou exibicionismos de poder...
De outra forma vemos que os discípulos que já estavam lá, não haviam conseguido expulsar o demônio. Isso porque não dá pra tratar com Satanás, sem que antes Deus tenha tratado conosco. O inimigo não sairá humilhado diante de crentes que não se humilharam diante de Deus. Ninguém pode expulsar as trevas, sem que tenha sido invadido pela Luz.
Eles partiram dali e passaram pela Galileia. O texto diz que “Jesus não queria que ninguém soubesse disso” (v.30). Mais uma vez o Senhor mostra que a humildade é característica do Reino dos céus, e que não há lugar para exibicionismos. Ele não estava com a intenção de abrir sua própria igreja, nem seu próprio canal fechado de televisão, em que pudesse exibir seus programas e, enquanto segurasse o menino possesso pelos cabelos, como um animal, entrevistar o diabo. Jesus só queria o menino. Ele o queria livre, nada mais. Sem câmeras, nem aglomerações. Sem bravatas no “mundo espiritual”, nem declarações caricatas de auto exaltação. Ele disse ao diabo “sai” e aos discípulos “que ninguém saiba disso”. O Pai o havia exaltado no monte, e Ele estava no vale para exaltar o Pai.
Quando foram para casa Jesus perguntou: O que discutíeis no caminho? A resposta foi o silêncio. A conversa fora incoerente a tudo o que haviam presenciado. Vieram discutindo sobre qual deles era o maior (v.34). Jesus os repreendeu: “Se alguém quiser ser o primeiro, será o último e o servo de todos (v.35). Mas parece que os filhos de Zebedeu não entenderam o recado e fizeram um pedido: Mestre, concede-nos que na tua glória nos sentemos, um à tua direita e outro à tua esquerda. A resposta final de Jesus foi humilhante para o que queriam se exaltar: “Entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos servirá; e quem entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a vida em resgate de muitos (v.43-45).
Em seu ministério Jesus redefiniu o sentido de grandeza e de primazia. A simplicidade de seu Reino se estabelece sobre premissas paradoxais tais como, os últimos serão os primeiros, os grandes servem, felizes são os que choram, etc. Não é de se “estranhar aspectos tão estranhos”, desde que consideremos que estes nasceram da boca Daquele que é a Água da Vida que teve sede, o Pão da Vida que teve fome, o Senhor de toda glória, que agiu entre nós, em carne e osso, sem exibicionismo algum. A Ele a glória.
Nenhum comentário:
Postar um comentário