ISAQUE E REBECA: BASE PARA VIVER JUNTOS SEM CASAR?
Augustus Nicodemus Lopes
Alguns queridos amigos têm apelado para o episódio do encontro de Isaque com Rebeca como base para sua posição de que, na Bíblia, o casamento é a decisão de duas pessoas de se unirem diante de Deus e terem relações sexuais. Não precisa de cerimônia pública, compromisso formal, testemunhas, pais, parentes, autoridades, etc. A passagem é esta aqui:
“Isaque conduziu-a até à tenda de Sara, mãe dele, e tomou a Rebeca, e esta lhe foi por mulher. Ele a amou; assim, foi Isaque consolado depois da morte de sua mãe” (Gen 24:67).
O argumento é que o casamento de Isaque e Rebeca foi simplesmente terem tido relações na tenda, sem nenhuma formalidade.
Acho que mexeram com o versículo errado... como sempre, texto fora do contexto é pretexto. É só ler o capítulo 24 de Gênesis todo para se perceber que na verdade, quando Isaque e Rebeca se encontraram e foram para a tenda, eles já eram casados.
Explico.
Abraão manda seu servo ir até a casa de seus parentes na Mesopotâmia para de lá “tomar uma esposa” para seu filho Isaque (Gn 24.4). Para isto, ajuramentou o servo, que foi como seu representante, ou procurador (Gn 24.2-4 e 8-9). Naquela época os casamentos eram geralmente arranjados pelos pais e por vezes se usava a figura de um representante legal. Aliás, até hoje, é possível casar por procuração.
O servo-procurador foi, orando para que Deus mostrasse quem seria a esposa para Isaque (Gn 24.12-14). Quando ficou claro que era Rebeca, o servo-procurador lhe entregou presentes, que já apontavam para um pedido oficial de casamento (como alianças de noivado, por exemplo), e pediu para conhecer a família dela (Gn 24.22-26).
A família era composta da mãe e do irmão Labão, que era o patriarca da família (o pai havia morrido), o que naquela época significava aquele que fazia o papel do líder religioso e civil. É só verificar o episódio mais adiante, em que ela casa as suas duas filhas, Lia e Raquel, com Jacó (Gn 29).
Voltando ao relato... Diante da mãe e do irmão de Rebeca, o servo-procurador fez a proposta de casamento, repetindo a missão que lhe fora dada: achar uma esposa para Isaque (Gn 24.28-49). Houve a permissão da mãe e do irmão (Gn 24.50-51) e em seguida perguntaram a Rebeca: “queres ir com este homem?”, ao que ela respondeu “irei” (Gn 24.57-58) – algo bastante parecido com “você aceita este homem como seu legítimo esposo?” – “sim, aceito”. E não faltou nem bênção: Labão, como patriarca da família, abençoou Rebeca na saída (Gn 24.60 – a frase “és nossa irmã” sugere que foi Labão quem deu esta bênção).
Mais casados do que isto, impossível.
Portanto, quando depois da longa viagem Rebeca encontra Isaque, e o servo-procurador relata tudo o que aconteceu (Gn 24.61-66), quem Isaque leva para a tenda para ter relações sexuais é sua legítima esposa, e não uma jovem que ele havia encontrado vagando pelo campo.
Portanto, o episódio Isaque-Rebeca é, na verdade, mais uma evidência de que o casamento em Israel não era simplesmente ir para uma tenda ter relações.
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