E a mosca azul caiu no leite espiritual
Por Ibi Batista
Algum tempo atrás assisti a um filme, “O advogado do diabo”, cujo enredo se concluía com uma afirmativa do “danado” revelando sua isca mais eficiente: a vaidade. Arrepiei!
Embora não tenha visto naquela afirmativa qualquer novidade, confesso que após o término da sessão, pensei um pouco mais sobre a vida, o ministério, as novidades e, por que não dizer, dos besteiróis inseridos no atual cenário eclesiástico? Lamentei!
Prego o Evangelho de Jesus, em Brasília, desde 1976, ininterruptamente. Nesse período, já fiz coisas que até eu mesmo duvido, e não sei se faria novamente. Estudei a história da cidade; fui a todos os pontos importantes para orar junto com algumas pessoas; jejuei incontáveis vezes; orei na posse dos presidentes eleitos; entrei em todos os buracos espirituais, como por exemplo em terreiros e Vale do Amanhecer; andei com a bandeira do Brasil dentro de meu carro e orava, diariamente, em frente ao Palácio da Alvorada, até ser coagido pelos seguranças a deixar aquela prática; fiz vigílias; sofri ameaças e outras tantas coisas que, por falta de espaço, não arrolarei aqui. Todo este relato, apenas para dizer sobre um fato acorrido comigo.
Certa vez, juntamente com alguns pastores, reuníamos com uma líder nacional, que embora nunca tivesse morado em Brasília, nos contou de um feito praticado por ela que me deixou boquiaberto. Contou-nos que Deus a orientou a sair de seu estado para vir à Brasília orar, ordem essa que cumpriu a risca. E o melhor de tudo: testemunhou que a partir daquele dia, havia caído um demônio que dominava a cidade e o Brasil. Pensei: Uau! Que tremendo! Estou aqui a trinta e três anos me gastando e deixado-me gastar e, de repente, vem uma pessoa de outra cidade e faz uma oração e... buumm! Tudo resolvido. Preciso aprender muito com essa pessoa.
Em outra ocasião, participei de um evento liderado por outro líder de projeção nacional. Naquela ocasião, ouvimos muitas profecias que nos deixaram animados. A partir daquele Congresso a Nação seria outra! Pensei novamente: Que maravilha, porque não fizeram isto antes?
Lembrei dos muitos missionários que vieram para esta pátria no passado, entre eles meus avôs, oriundos da Inglaterra. Muitos derramaram seu sangue em nosso solo, outros perderam filhos, foram perseguidos, apanharam em praça pública, abriram mão do conforto de sua pátria-mãe, andaram no lombo de burros, moraram em casebres, na beira de rios, tudo por um sonho: Ver esta nação resgatada para Deus.
Quando vi aqueles líderes falando com suas unhas bem feitas, pulseiras e relógios de ouro, viajando em vôos de primeira classe, hospedando nos melhores hotéis, ganhando bons lucros e, finalmente, pegando o microfone e orando para que o Brasil mudasse, pronto, estava feito tudo que precisava: O Brasil mudou! Quem dera!!!
O mais interessante de tudo, é que não ouvi nenhum deles fazer qualquer referência àqueles “missionários otários”, que não souberam uma maneira melhor de promover a redenção da Nação. Que dor!!!
Alguns dias atrás perguntei a minha esposa se ela me via como pastor, porque as vezes não consigo mais me ver como tal. A bem da verdade, não quero, e não poderia, ser melhor do que qualquer outra pessoa, pois, talvez, eu seja até pior! Não sou juiz de ninguém, mas me incomoda muito suportar tantos comentários que tenho ouvido nestes dias, como: “é..., o pastor fulano mudou muito hein, parece que foi picado pela mosca azul”.
“A Mosca Azul” é um título de um poema de Machado de Assis, onde ele associa, ao inseto, algumas características modernas, infelizmente, presente no meio da liderança evangélica.
A imagem danosa do inseto está relacionada a tudo aquilo que o Apostolo Paulo advertiu que Timóteo deveria fugir, isto é, fugir ao apego ao poder, à vaidade.
No poema mencionado, os que eram picados pela mosca azul, adquiriam características associadas à vaidade, à soberba, às alucinações, em que a “vítima” perdia a noção da realidade tomada pela embriaguez do poder.
As atuais vítimas do inseto, como as do poema, passaram a ver na mosca o próprio rosto e a sonhar com o poder, com a riqueza, projetando sua própria vaidade ao apego às posições, à utilização da estrutura do poder e ao assédio espiritual.
Em resumo, a maldita mosca conseguia, e vem conseguindo, assim como no filme (Advogado do Diabo), corromper o propósito do Evangelho da Graça.
Quantos testemunhos terríveis tenho ouvido, que aqui os chamaria de: “As conquistas da vaidade”.
Pessoas que cuidaram em não se embriagar com vinho, mas não tiveram o mesmo cuidado com sua pobre alma e embriagaram-se com a fama e a vaidade. Eu choro!
Talvez, eu tenha participação nisso tudo, quando uma ovelha, com ar de decepção, se aproxima e relata algum fato do tipo:
- “Pastor, fui à igreja “tal” e tentei chegar perto do ministrante (pastor, bispo, etc), mas seus seguranças não permitiram! Eu queria apenas tocar em sua mão!”
O que eu respondo? Nada! Dou um sorriso amarelo, não azul, e continuo a chorar em meu interior e dizer para mim mesmo: Preciso continuar. Não posso parar. Haverá uma nova reforma. Precisa haver!
Digo a mim mesmo: não posso desesperar! Afinal, só porque alguns usam o ministério como trampolim para conseguir poder, cargos políticos, riquezas e favores? Só porque pastores e cantores demonstram ter trocado o amor por valor? Só porque o orgulho e a vaidade tomaram assentos nos púlpitos? Só porque sei que se Jesus vivesse em nossos dias não se comportaria desta maneira e nem andaria com seguranças para repelirem as pessoas?
Eu, terceira geração de pastores na minha família, que vi meus antepassados darem suas vidas e trocarem o poder pela humilhação, a riqueza material pela fortuna espiritual, sinto-me muito mal ao ver a larva da mosca azul proliferar nas novas gerações de pastores. Esses já não têm mais o cheiro de ovelhas, perderam o contato com o rebanho, seu cheiro hoje é de pecúnia, fama e poder, trocaram o Lírio do Vale, pelos entulhos da vaidade.
Quero encerrar este texto com um alerta e um consolo:
1. O Alerta: Colegas pastores, deixem o Sol da Glória de Deus entrar pela janela de suas almas e destruir o mofo da vaidade, que é promíscuo e que tantos males tem causado; não se esqueçam que, não somos dono do cargo que ocupamos hoje;
2. O Consolo: Talvez, tudo isso seja uma epidemia causada pela maldita mosca azul, mas, também, pode ser simplesmente o cumprimento da profecia final de Jesus em Mateus 24:15 que deixa a entender sobre o mercantilismo da fé: "Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo (quem lê, que entenda)”
Termino dizendo que creio que podemos amarrar o diabo sim, como também resgatar a Nação, mas isso, só ocorrerá depois que retirarmos a danada da “mosca azul” que caiu no “genuíno leite espiritual” e, por fim, voltarmos à pureza do Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. Que o Senhor nos guarde!
Será que não sou eu quem está errado? Orem por mim.
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Ibi Batista é pastor em Brasília do Centro de Adoração Ministério Núcleo da Fé (e-mail: ibiealice@yahoo.com.br)
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