22 dezembro 2009

UMA GRAÇA QUE POUCOS DESEJAM – Parte I

Autor: Caio Fabio

Nós aprendemos desde cedo que a graça é favor imerecido. É algo que está para além das posses de nossas virtudes. Justamente por essa razão a graça é de graça.

No entanto, na nossa idéia do que seja graça, enquadram-se apenas as felizes, fáceis saborosas e carismáticas manifestações das bênçãos de Deus sobre nós (Ef. 1:3). Nunca pensamos em graça como privilégio de sofrer.

Todavia, também esta dimensão está presente na teologia do conceito de graça:

“Por que vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo, e não somente crerdes nele...” (Fp. 1:29).

Sem dúvida tal conceito não tem nada de convidativo e empolgante em si mesmo. Nosso mundo é, a cada dia mais, patrocinador da idéia do não-sofrimento. Somos a sociedade do analgésico. A anestesia psicológica, existencial e social é a nossa maior medicina.

Especialmente para aqueles que apesar de viverem no terceiro mundo, mantém o status e o padrão do primeiro.

Além da graça de sofrer, há ainda uma outra graça indesejável – aliás, bem poucos a vêm como graça, como privilégio, como favor imerecido. Trata-se da graça de contribuir.



Percebe-se a contribuição como graça, mais do que qualquer outra ocasião, quando Paulo faz conhecer a igreja de Corinto a atitude generosa e pródiga de amor que permeara o gesto da igreja da Macedônia, quando se solidarizou com a comunidade cristã da Judéia – que passava um gravíssimo período de pobreza e fome – enviando-lhe ainda que sem condições ideais para tal oferta de amor.

Os irmãos da Macedônia não se sentiam dignos de contribuir, de participar da obra de Deus. Por isso, pediam que essa possibilidade lhes fosse criada, ainda que numa expressão de graça, de favor imerecido.

Paulo diz aos coríntios:

“Também irmãos, vos fazemos conhecer a graça de Deus, concedida as igrejas da Macedônia; por que no meio de muita prova e tribulação manifestaram abundância de alegria, e a profunda pobreza deles superabundou em grande riqueza da sua generosidade” (II Cor. 8:1 e 2).

O apóstolo prossegue dizendo que era tão grande a consciência que tomava os irmãos macedônios de que contribuir era um favor imerecido, que eles suplicaram com “muitos rogos a graça de participarem da assistência aos santos” (II Cor. 8:4).

O gesto macedônio inspirou Paulo a enviar Tito a Corinto a fim de promover a mesma compreensão, desencadeadora da mesma atitude:

“O que nos levou a recomendar a Tito que, como começou, assim também complete esta graça entre vós” (II Cor. 8:6).

Aliás, nada se podia esperar de uma igreja que se julgava madura como a de Corinto – crendo que estava superabundando em fé, teologia, sabedoria e serviço social – senão algo, no mínimo, semelhante à consciência dos irmãos macedônios. Por essa razão Paulo lhes diz: “Assim também abundeis nesta graça” (II Cor. 8:7). De fato, o que se define de modo irrefutável neste intróito do apóstolo à questão da contribuição, é que ofertar para a obra do Senhor é um favor que nenhum de nós merece. É graça.

Eu não mereço contribuir. Você também não. Nenhum dinheiro ganho com ambíguas motivações é santo. Nosso dinheiro não é em si mesmo puro, tão somente pelo fato de que não estamos na lista dos sonegadores (ou estamos?), ou por termos nossos compromissos pagos em dia. Os tesouros desse mundo são metafísica e motivacionalmente tesouros da injustiça (Lc. 16:9). E as motivações que na grande maioria das vezes determinam nossa relação com o lucro não são de todo santas (I Tim. 6:10a).



Por isso, nossa contribuição é uma concessão de Deus. A santidade absoluta de Deus, se praticada sobre nós, não nos permitiria “nem contribuir”; mas na sua graça, Ele santifica nosso dinheiro, quando a grande motivação que nos leva a adquiri-lo é poder viver com dignidade e promover a causa do reino de Deus. Se não for essa a propulsão secreta de nossos corações, a nossa contribuição não passará de uma abominação. De uma atitude semelhante a aquela que norteou a oferta de Caim (Gn. 4:1-7; Jd. 11).

Nossa oferta ao Senhor não é de fato uma oferta de Deus. É, antes de tudo, uma oferta de Deus a nós. Quem oferta a Deus, oferta a si mesmo, na medida em que dar, antes de ser uma graça de nós a outros, é uma graça de Deus a nós. Se alguém se comove a dar, humilde e alegremente, é porque já foi tocado pela graça de Deus (Rm. 7:18; Fp. 2:13).

Mas quantos querem essa graça? Você a quer? Você deseja a bênção de contribuir? De devolver o que é de Deus na direção da causa de Deus?

A maioria das pessoas que eu conheço contribui ainda com medo de Deus. Ou então o faz na estreita medida do dízimo. Por que Malaquias chama de ladrão aquele que não contribui, então resolve quitar seu carnê do Reino (Ml. 3: 8 e 9). Todavia, essas pessoas fazem isso com o mesmo sentido de obrigatoriedade com o qual pagam a conta de luz, a água ou aluguel do apartamento. Não lhes move o coração o temor do Senhor. Não se sentem comovidos pela graça. Não percebem que não teriam direito a meter a mão no bolso para dar a tão santa causa.

Você deseja a graça de contribuir?

Quem apenas dá o dízimo ou se deixa motivar a contribuir pelos mesmos sentimentos daqueles que liquidam uma conta para não terem o nome no S.P.C., ainda não passou da Velha Aliança para a Nova, ainda não pensa como cristão, mas raciocina com legalista judeu.

O Novo Testamento vai além do Velho Testamento também na questão do dar. Em Cristo, o dízimo não é a mensalidade dos crentes na sociedade religiosa da igreja ou no filantropo clube da fé. No novo testamento, o dízimo é uma quantia de referência mínima para estabelecer o piso de nossas contribuições, entendidas não como cobrança, mas como graça, como privilégio.

Depois que eu entendi isso, resolvi só agradecer as ofertas que alguns amigos endereçam a mim como pessoa. Mesmo assim, eu sei que antes de estarem dando a mim e para meu sustento pessoal, eles estão dando ao Senhor. Faço isso somente nesse caso, e por questão de estrita educação. Quanto ao mais, se alguém deseja contribuir com a missão que presido com qualquer outra causa cristã, não posso agradecer. Tenho apenas que estimulá-lo a continuar a crescer na causa de Deus. Minha gratidão tem que se dirigir a Deus. Minha alegria, no entanto, se direciona aos irmãos que entenderam a graça de contribuir.

Neste ponto creio que pode ser imensamente útil continuarmos a estudar os princípios de contribuição que aparecem em II Coríntios 8 e 9. Aprenda-os, e certamente sua dimensão de espiritualidade incluirá uma área até agora mais compreendida como profana do que como zona da graça. Mas quem é que conhece qualquer coisa que a nós nos venha que não seja pura e simplesmente graça?

http://www.caiofabio.com/2009/conteudo.asp?codigo=03194

Continua...

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