23 dezembro 2009

UMA GRAÇA QUE POUCOS DESEJAM – Parte III

Autor: Caio Fábio

Continuação...

QUARTO PRINCÍPIO

A contribuição deve ser uma extensão do compromisso que se tem com o louvor a Deus, com a maturidade espiritual e com a propagação do Reino de Deus.

Inicialmente nossas ofertas devem ser extensão de nosso culto racional. Ora, o culto racional é a entrega das múltiplas dimensões da vida no altar de Deus como resposta humana às muitas misericórdias divinas que nos alcançaram (Rm. 12:1-3).

Por isso, corpo, mente e espírito devem se entregar a Deus na integração do culto-uno, na liturgia não esquizofrenizada da vida. Nesse sacerdócio onde o homem é o oficiante e a oferta ao mesmo tempo, todas as dimensões da vida devem se subordinar a Deus num ato de racional e consciente desejo.

As contribuições devem vir a reboque dessas ações. Devem vir no rebojo desses movimentos, como conseqüência de tão grandes decisões e percepções.

Foi assim que os macedônios fizeram:

“Não somente fizeram como nós esperávamos, mas deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus” (8:5).

Aliás, é também nesta mesma perspectiva litúrgica que Paulo alude às contribuições que recebera para sua manutenção pessoal:

“Recebi tudo, e tenho abundância, estou suprido, desde que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte, como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Fp. 4:18).



Quem não considera a dádiva devolvida como privilégio e como liturgia semelhante à gratidão manifestada nos muitos altares do Velho Testamento, ainda não compreende significação do dar.

É exatamente quando essa percepção teológica já nos impregnou que começamos a penetrar num nível de maior maturidade espiritual. Até esse momento a vida estava dividida em sacro e profano, religioso ou secular, espiritual ou material, litúrgico ou mundano.

Mas quando se consegue olhar para o dinheiro e consagra-lo a Deus com gratidão, dando-o aos homens ou às causas de Deus realizadas por homens de Deus e pela igreja, então a vida passa a ser uma só, e as dicotomias departamentalizadoras da existência acabam. Compreender isso é em si mesmo um sinal de maturidade espiritual.

Veja como na mente de Paulo a contribuição é uma graça espiritual:

“Como, porém, em tudo manifestais superabundância, tanto na fé e na palavra, como no saber e em todo cuidado e em nosso amor para convosco assim também abundeis nesta graça” (8:7).

Quem sabe que pode e deve contribuir com a mesma alegria com o qual confessa sua fé, estuda sua Bíblia, exerce discernimento, providencia socorros e manifesta amor, já atingiu aquele nível que se pode chamar de espiritualmente maduro.

A verdadeira maturidade desenvolve uma atitude santificadora e liturgizadora de todas as coisas que lhe vêm às mãos.

Essa maturidade mantém vontade e ação andando juntas, de modo que uma alimenta a outra. E quando a vontade alimenta a ação e a ação estimula a vontade, nasce algo que se pode chamar de compromisso.

Veja como na mente de Paulo esse era o fenômeno promotor do compromisso e da responsabilidade de levar as coisas a seu termo, a sua cabal realização:

“E nisto dou a minha opinião; pois a vós outros que desde o ano passado principiastes, não só a prática, mas também o querer, convém isto:

Completai agora a obra começada, para que, assim como revelastes prontidão no querer, assim as leveis a termo, segundo as vossas posses.” (8:10 e 11).

Paulo diz que a prática sem o querer é ação sem compulsão. Mas diz também que o querer sem ação é emocionalismo volitivo e sem eficácia. A combinação que Paulo acha sadia e promotora de compromisso, anda em círculo:

Este é o ciclo do compromisso contínuo com a manutenção financeira do Reino de Deus: quanto mais eu quero dar, mais eu posso e devo dar, pois quanto mais eu dou, mais desejo dar e, sobretudo, mais me mantenho comprometido e bem motivado a dar.

Não posso ter certeza, mas me parece que tal princípio se enraíza não somente no psiquismo individual, mas também no inconsciente coletivo da comunidade cristã que começa a praticá-lo. Talvez seja também por essa razão que a maioria dos irmãos e das igrejas dos Estados Unidos quando tomam um compromisso de suporte financeiro o mantêm até o fim.

QUINTO PRINCÍPIO

A contribuição tem que ter fins, meios e motivos.

Traduzindo este princípio, ele fica assim: quando contribuo, necessito ter fins dignos, meios justos e razões corretas, pois as razões determinam os fins e os fins pré-existem nos meios; ou seja, eu nunca tenho objetivos (fins) melhores que minhas razões (motivos); e meus objetivos, se são bons, sempre determinam os melhores meios de eu poder realizá-los.

Assim é que Paulo inicia determinando o objetivo ou o fim da contribuição: “a assistência aos santos” (4c). Os literalistas, cujo costume é engessar a Palavra de Deus, determinam logo que a única finalidade digna de contribuição é a “assistência aos santos”.

Todavia, no Novo Testamento, o princípio que deve nortear a prática da contribuição, bem como seu endereço, é tudo aquilo que promove a “justiça, a misericórdia e a fé” (Mt. 23:23). Tudo aquilo que é feito aos santos, pelos santos e com os santos é finalidade que certamente promoverá a justiça, a misericórdia e a fé. Enderece a sua contribuição para onde você encontrar essa finalidade (Fp 4: 15 e 16).

É claro que há coisas intermediárias e que merecem o nosso investimento, pois sem elas não se alcançam os objetivos desejados. A partir desse ponto deve ficar claro que todo mandamento bíblico que depender de apoio material e financeiro deve ser objeto de nossa ajuda concreta e monetária (Mt. 28:18 a 20; I Cor.9:14).

Há ocasiões quando para se fazer missões é necessário que se tenha coisas, máquinas, equipamentos e sistemas.* Todas essas necessidades conquanto materiais e frias, são parte do fim em si mesmo. É claro que o melhor investimento é aquele que se faz de imediato em pessoas, seja ajudando a alcançá-las, seja sustentando aqueles que mais especificamente as alcançam (II Cor.11:13 e 20).

Esse era o caso da irmã Febe, que era diaconisa de uma igreja, em Cencréia, a 15Km de Corinto. Paulo diz que aquela irmã fora durante muito tempo patrocinadora do seu ministério e de muitos outros irmãos (Rm.16:1 e 2 – onde se lê protetora, no grego é patrocinadora).

Mas como nossos fins são determinados pelas nossas motivações e razões, então o apóstolo outra vez enfatiza a questão motivacional já mencionada no princípio n° 2. Nunca é demais falar sobre a pureza das intenções secretas que nos fazem agir. Paulo, aliás, concentrava toda a sua noção da profundidade do juízo de Deus não tanto em fatos, mas nas sigilosas e encobertas motivações humanas, escondidas nas dobras profundas dos enganosos corações de todos nós (I Cor. 4:5; Rm. 2:15 e 16; Jr. 17:9).

Isso porque o apóstolo sabia que fatos bons podem ser produzidos por motivações más e egoístas, mas também sabia que, às vezes, fatos que se tornaram maus foram gerados por motivações boas que foram conduzidas por outros para fins indesejados (João 12:5 e 6).

Se você tem dificuldade em aceitar isso, pense no seguinte: os fundadores de algumas igrejas históricas, que foram homens de límpidas e cristalinas motivações, possivelmente se contorcessem de agonia ao observar aquilo no que suas missões se converteram mais adiante.

Ou melhor: não se pode condenar um homem pela morte de um outro ao meter-lhe uma faca na barriga, na expectativa de improvisar-lhe uma operação de apendicite no deserto, onde não havia recursos ou socorro. Nesse caso o fato foi a morte, mas a motivação era a vida.

Alguns, rebatendo o que eu disse acima, afirmam que “o inferno está cheio de boas intenções”. Todavia, eu penso que a escritura nos dá margem para afirmar que o inferno está mais cheio pelas motivações ruins e omissões frias do que pelos fatos (Motivações: Mt. 5: 21 e 22; 23: 27 – Omissões: Mt. 25: 31-46). Paulo prossegue essa consideração ao afirmar que a melhor realização da vida pode ser gerada pela pior motivação:

“Alguns proclamam a Cristo por inveja e porfia, outros porém o fazem de boa vontade...” (Fp. 1:15).

É claro que aqueles que produzem fatos bons, mas sem motivações boas receberão apenas os aplausos dos superficiais observadores humanos, que julgam somente a aparência e não o coração (Mt. 6: 2, 5, 16; 7: 15-23; Jo. 2: 23-25; I Sm. 16:7).

Compreendendo a importância fundamental das motivações em todos os campos da vida, Paulo reafirma:

“Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar pela diligência de outros, a sinceridade do vosso amor” (II Cor. 8:8).

A motivação tem que ser o amor sincero. O apóstolo assim fala porque sabe que o amor pode ser apenas uma representação de fraternalismo de palavra, mas sem conseqüência práticas (Rm. 12:9).

Não importa o quanto você beija as pessoas ou lhes diz que as ama em nome do Senhor, ou os chama de “meu amado”. O que realmente importa é o que o amor motiva a ser feito concretamente pelas pessoas (I Jo. 3: 17 e 18).

A genuína motivação de amor torna os sentimentos em ações. Todavia, o mesmo não se dá com as ações. A bíblia ensina que a toda boa motivação corresponde a uma boa ação (correndo-se o risco de que outros a manejam para o mal), mas que a nem todas as boas ações corresponde o amor como motivação (I Cor. 13:3).

É por essa razão que afirmamos que os fins nunca são essencialmente melhores do que as motivações – é claro que olhando com os olhos de Deus. Nesse caso, os fins além de não justificarem os meios, também não justificam as motivações. Mas por falar em meios passemos a eles. Lembre-se que nós anunciamos no início deste 5° princípio que os fins pré-existem nos meios. É claro. Aliás, os fins pré-existem tanto nos meios como nas motivações. Somente na vida dos hipócritas é que os fins inexistem nas motivações e mascaram os meios.

Na questão das contribuições dos cristãos os meios são igualmente importantes. Nos dias de Paulo os meios não eram a tesouraria oficial da igreja, nem uma Missão especializada em Evangelização ou Ação Social, mas homens honestos e respeitados. Era através deles que os recursos eram manejados dos ofertantes aos necessitados.

No caso específico de nossas considerações o apóstolo diz:

“O que nos levou a recomendar Tito que, como começou, assim também complete essa graça em vós” (II Cor. 8:6).

Outra vez ele diz:

“Deus (…) pôs no coração de Tito (…) solicitude por amor de vós; porque atendeu ao nosso apelo e mostrando-se cuidadoso, partiu voluntariamente para vós outros…

E não somente isto, mas foi (…) eleito pelas igrejas para ser nosso companheiro no desempenho desta graça… desta generosa dádiva administrada por nós, pois o que nos preocupa é procedermos honestamente” (II Cor. 8:16-21).

Hoje em dia os mediadores das contribuições são em geral as igrejas e as missões.

No entanto, o que nos preocupa não são os mecanismos de administração dos recursos, desde que sejam eficientes e econômicos. O que nos preocupa – como a Paulo preocupava – é a questão da honestidade na aplicação. Os fins pré-existem nos meios, logo, se os meios não forem totalmente honestos é por que os fins não são tão honestos assim.

Sabemos de uma entidade religiosa estrangeira cuja administração dos recursos é contabilmente impecável, mas é filosófica e teologicamente corrompida, pois aplica o dinheiro do povo de Deus em ações da indústria armamentista, a fim de ter mais recursos para “pregar o evangelho”.

Não importa se há honestidade contábil nos meios, mas, sobretudo se há honestidade filosófica e teológica nos meios. É nesse ponto que reside o cerne da questão.

* Note nos evangelhos como sem o barquinho não se teria feito o ministério em volta do mar da Galiléia com a mesma objetividade com que se fez. O barco encurtou o caminho e economizou tempo. O barco foi, portanto, um equipamento fundamental na evangelização na Galiléia.

http://www.caiofabio.com/2009/conteudo.asp?codigo=03194

Continua...
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Gostaria de compartilhar um texto comentário publicado a alguns dias sobre outro artigo "Será que a frase ‘o Brasil é o país do futuro’ ficou defasada?"

http://jsalum.blogspot.com/2009/12/sobre-o-artigo-sera-que-expressao.html

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