OITAVO PRINCÍPIO
A contribuição deve ser o resultado da compreensão de que no ciclo da solidariedade toda abundância é dada para suprir a pobreza.
Eu disse, encerrando o princípio antecedente, que a atitude de auto-empobrecimento só seria admissível se voluntária, exercida em amor e bom senso, para a mais justa das causas, sem constrangimento e como o último gesto do contribuinte, ou seja, uma ação “in extremis”.
A prova disso está nesse novo estágio paulino acerca dos princípios de contribuição.
Diz o apóstolo:
“Por que não é para que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga, mas para que haja igualdade, suprindo a vossa abundância no presente a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles venha suprir a vossa falta, e assim haja igualdade, como está escrito: o que muito colheu, não teve demais, e o que pouco, não teve falta” (II Cor. 8:13-15).
O apóstolo inicia dizendo que a política de Deus não é dar alívio para uns e sobrecarga para outros. Sobre-carga é peso para além do suportável. A política de Deus é a política da igualdade proporcional. Não do igualitarismo utópico e fardado.
Ah! Nesse momento alguns respiram fundo e aliviados. Já estavam ficando preocupados com o que fariam após ler este livreto.
Mas se você chegou até aqui, saiba que houve alguns que o fecharam e o puseram de lado na introdução, antes que se complicassem ainda mais na presença de Deus pelo que passariam a saber. Mas de fato, não há razão para o alívio e para que se diga um: “ainda bem que não era como pensei no princípio n°7”.
Note quando Paulo diz que “não é para que alguns tenham alívio, e vós, sobrecarga”, ele prossegue dizendo: “mas para que haja igualdade”.
Pense bem: Deus não suporta as disparidades, as injustiças e as sobrecargas. Deus ama a igualdade proporcional. Mas se é assim, então raciocine que Deus não quer ver a balança pesar mais para nenhum dos lados. No entanto, como as coisas estão agora, pode não estar pesando pra você, mas talvez esteja pesando imensamente para outros.
Assim como Deus não quer que você dê sua contribuição desajuizadamente a ponto de ficar padecendo necessidade – ao menos que ele lhe fale ao coração conforme demonstramos no princípio anterior –, Ele também não deseja que você permaneça aliviado enquanto irmãos seus vivem em tremenda sobrecarga.
O plano de Deus é que a igreja ensine aos principados e potestades nos lugares celestiais não apenas as coisas convencionalmente associadas à espiritualidade vertical, mas que ela também ensine ao mundo e aos principados espirituais a sabedoria da justiça social, manifestada dentro da própria igreja.
Diante disso, pense nas seguintes realidades:
- Como fica diante de Deus o fato de que na igreja uns tem demais e outros têm de menos?
- Como fica a realidade de que os que têm de-mais, têm muito mais do que precisam; e os que têm de-menos, têm muito menos do que necessitam?
- Como fica a constatação de que sempre sobra dinheiro para os crentes da classe média e alta usufruírem maravilhosos privilégios, ainda que com elevados gastos, enquanto, na mesma época, a freqüente queixa deles é que não lhes sobra recursos para investir no Reino de Deus?
- Como fica diante de Deus o fato de que os negócios de certos irmãos prosperam cada vez mais, ao passo que a obra missionária dentro do Brasil vai a mingua ao lado desses irmãos tão abastados?
Ninguém pode obrigar ninguém a contribuir. A política do Reino de Deus é a igualdade proporcional promotora da justiça, não do igualitarismo.
Somente o Espírito Santo pode constranger uma pessoa a investir no Reino. Mas também somente a pessoa humana pode se fechar para esse constrangimento do Espírito.
Meu irmão, você pode fazer o que você quiser com os seus bens. No entanto, saiba que o plano de Deus é que se você tem o dom de aumentar seus bens, o Senhor lhe concedeu essa possibilidade para que você possa praticar a política do Reino de Deus: a justiça da igualdade proporcional.
Há irmãos pobres e missões pobres lutando para sobreviver com menos do que aquilo que você aplica no supérfluo total.
Se você que ainda me lê é alguém que hoje tem bens, então ouça o Espírito de Cristo lhe dizer:
“A vossa abundância no presente (deve suprir) a falta daqueles, de modo que a abundância daqueles (que hoje nada tem), um dia venha a suprir a vossa (eventual) falta, e assim haja igualdade”.
Não faz muito tempo que um dos nossos mais fortes mantenedores teve alguns problemas financeiros, de modo que foi a obra de Deus que veio a socorrê-lo. Essa é a melhor forma de fazer poupança: investindo no Reino de Deus.
Você deve ter percebido que desde o início venho afirmando que Deus não é o Deus do igualitarismo fardado e absolutista. O igualitarismo não deu certo em nenhum lugar do mundo.
Em Cuba, no tempo do “Che”, o projeto gerou ociosidade, improdutividade e injustiça: pois alguns trabalhavam muito e outros recebiam a mesma medida. O próprio Fidel Castro está reconhecendo isso agora.
Na União Soviética o mesmo se deu. O líder Mikhail Gorbachev disse no seu discurso de 6 horas seguidas no início de 86, que o igualitarismo está obsoleto, e que ele só gerou burocracia, funcionalismo, parasitismo, corrupção (porque os ambiciosos arranjaram maneiras de ganhar mais do que o nível instituído, através dos mercados negros de “quase tudo” na União Soviética) e esclerosamento funcional.
Não era preciso esperar tanto para saber que isso era inevitável e não daria certo. Bastava que se tivesse crido na política econômica do Reino de Deus: igualdade proporcional, praticada com a consciência de que a fronteira da liberdade de ter vai até onde o ter não implica no empobrecer do meu próximo.
Liberdade e justiça têm que andar juntas! Liberdade sem justiça se converte imediatamente em libertinagem do ego e orgia econômica da sociedade. E justiça sem liberdade é injustiça mascarada pelo igualitarismo que ora premia os ociosos, ora suprime os direitos do homem.
A justiça é a fronteira da liberdade e liberdade é o âmago da justiça.
Diante disso fica claro que o cristão não pode nortear sua filosofia de administração dos recursos por nenhum dos dois “esquemas econômicos” que dividem este mundo. Ambos são corrompidos.
No capitalismo que apregoa a liberdade, falta a visão de que a liberdade não pode acontecer às custas dos outros, especialmente dos pobres a da matéria-prima do 3° mundo.
Já o comunismo que apregoa a justiça, peca por suprimir as liberdades e não recompensar de modo justo – logicamente para ser justo não pode ser exacerbado – o trabalho e o esforço dos que mais se afadigam.
Além disso, peca também por não dar ao homem direito à voz. É estranho: no primeiro sistema os líderes fecham os ouvidos para não ouvirem os clamores. No segundo, eles fecham as bocas das pessoas para que elas não falem. Em ambos o silêncio é a lei.
A bíblia foge desse maniqueísmo das ideologias econômicas contemporâneas e ensina um caminho diverso, solitário, justo e santo: o caminho da política econômica do Reino de Deus.
“O que muito colheu,
não teve de-mais,
o que pouco colheu,
não teve falta!” (II Cor. 8:15; Ex. 16:19)
Ante tão sublime conceito de administração dos bens e perante tão elevado conceito de justiça sócio econômica, o nosso coração só poderia dizer o mais alto de todos os brados de aleluia:
ALELUIA!
Paulo diz que o tratamento que Deus deu a Israel no deserto, quando o pão era o mesmo e para todos, sem que a ninguém sobejasse e ninguém dele ficasse privado, era o critério último para nortear a visão econômica dos crentes, da igreja e da sociedade como um todo:
Quem precisa de mais pode ter mais,
Mas não de-mais;
Quem necessita de menos pode ter menos,
Mas não de-menos.
Se assim pensássemos, outra seria a fisionomia social da igreja, outra seria nossa influência na sociedade, e outra seria a situação das missões no Brasil e no mundo.
Não adianta que essas verdades estejam escritas na bíblia. Elas precisam ser encarnadas num projeto histórico concreto o mais rapidamente possível. E o lugar onde isso precisa começar a ser vivenciado é na igreja. Desse modo a igreja será a sociedade alternativa e não a sociedade paralela àquela maior e circundante, e a qual Deus só se refere como injustiça.
NONO PRINCÍPIO
As contribuições para a obra de Deus devem ser criteriosamente administradas e abertas a auditorias cristãs.
Você deve ter notado que no oitavo princípio nossa reflexão saiu do âmbito estritamente eclesiástico e açambarcou o que nós poderíamos chamar “rápidas considerações sobre a filosofia da política econômica do Reino de Deus”.
Talvez – apesar de termos sido exíguos e excessivamente simples – alguns tenham achado que saímos muito de nossa proposição inicial.
É possível que sim. No entanto, creio que só estaremos aptos para entender certas realidades específicas, com seus mecanismos peculiares e aparentemente não necessitados de explicações, se tivermos compreendido alguns aspectos gerais e mais amplos de uma realidade maior, que tanto introjeta pequenas maquetes suas nas pequenas sociedades (no nosso caso, a igreja é a pequena sociedade), quanto realimenta sua própria mega-estrutura da micro-instrutura sobre a qual ela influi.
Trocando em miúdos: vale estudar a sociedade secular e seus fenômenos (sociologia), por que ela muitas vezes (infelizmente) tem delineado o perfil sociológico da igreja.
Isso é parte do que o Novo Testamento chama de “mundanismo”. Além disso, a igreja quando se torna um pequeno modelo interno, tanto econômica, quanto social e administrativamente falando do mundo que acerca, passa a alimentar – juntamente com dezenas de outras pequenas sociedades – o monstro da injustiça que cruelmente tira sua energia dessas milhares de células sociais diminutas.
Isto posto e explicado, voltemos às considerações específicas a respeito do nosso tema propriamente dito:
As contribuições para a obra de Deus devem ser criteriosamente administradas, e abertas a auditorias cristãs.
A preocupação de Paulo com este aspecto do processo da contribuição é simplesmente extraordinária. Ele diz que Tito estava incumbido de levar a oferta dos macedônios à Judéia (II Cor. 8:16-18), como também de apanhar a oferta dos coríntios (II Cor. 9:2-5) e dar a ela o mesmo justo destino. Todavia, ao afirmar isso, nos faz uma das mais belas lições sobre a cautela de um homem de Deus na administração dos recursos da obra do Senhor:
“E com ele (Tito) enviamos o irmão cujo louvor no evangelho está espalhado por todas as igrejas. E não só isso, mas foi também eleito pelas igrejas pra ser nosso companheiro no desempenho desta graça ministrada por nós, para a glória do próprio Senhor, e para mostrar a nossa boa vontade;
evitando assim que alguém nos acuse em face desta generosa dádiva administrada por nós, pois o que nos preocupa é procedermos honestamente, não somente perante o Senhor, como também diante dos homens” (II Cor. 8:18-21).
Esse é o padrão para o ministério cristão, seja ele de que tamanho for. Do serviço individual à grande organização missionária, é assim que se deve proceder.
Paulo diz que não basta que o obreiro, o pastor, o conselho da igreja ou a missão tenham consciência de que a dádiva foi honestamente administrada. Sua preocupação não era somente com a sua consciência diante de Deus. Ele temia também a calúnia ou a suspeita dos homens (8:21).
Creio que a observância deste princípio não pode mais ser adiada no Brasil. Desde os ministérios pessoais, passando pelas igrejas e indo às missões, esse deve ser o espírito e a preocupação.
Quando escrevo estas páginas (durante o congresso Amsterdam 86), incluo-me entre os faltosos. Não tanto diante de Deus – pois Ele sabe que apesar que nossas inerentes e essenciais imperfeições, temos tentado andar com a consciência limpa diante dEle também nesta área – mas, sobretudo, “diante dos homens”.
Isso porque, como disse Paulo, não basta haver honestidade, tem que haver transparência, ou seja, a administração da igreja ou da missão tem que estar aberta à verificação dos cristãos. E não somente aberta, mas exposta e preocupada em expor-se.
Meu compromisso pessoal com Deus, comigo mesmo, e com meus irmãos é que de hoje em diante não somente continuarei a ser honesto na administração das dádivas recebidas, como também manterei as contas de nossa missão abertas e publicadas anualmente para todos os interessados.
Assim diz uma das afirmações do Congresso Amsterdam 86, assumida publicamente por mim e por dez mil outros evangelistas:
“Nós seremos fiéis despenseiros de tudo o que Deus nos der, prestaremos contas das finanças do nosso ministério outros, e seremos honestos na divulgação das nossas estatísticas” (10° afirmação).
Quantas vezes já li o princípio de II Coríntios 8: 16:21 sem sentir nenhuma comoção! Talvez por ingenuidade, por excesso de latinidade ou por extremo individualismo – próprio de nós protestantes – preocupados apenas com nossa consciência individual diante de Deus. No entanto, nesses dias aqui em Amsterdam senti-me perturbado com as palavras de Paulo:
“Pois o que nos preocupa é procedermos honestamente, não só perante o Senhor, como também diante dos homens” (II Cor. 8:21).
Minha perturbação não foi causada apenas em função do meu reconhecimento de que é preciso ser mais transparente nessa área.
Preocupo-me também com o fato de que além de tudo estamos debaixo de outra ameaça no Brasil: a de termos nos acostumado aos séculos de governos colonialistas auto-centrados e monárquicos e, posteriormente, com os muitos períodos ditatoriais de nossa história, quando o povo nunca tem ou teve acesso aos exames sérios das contas do país, através de seus representantes.
Se existe a possibilidade de se ver a questão com as lentes da sociologia, então talvez se explique a quantidade enorme de pastores e denominações que parecem repetir em nível estrutural e econômico a mesma política caudilhesca de fora da igreja. Trata-se de um eclesiasticismo militarizado. Nestes regimes eclesiais o povo também não tem acesso às contas da igreja.
Isso nos preocupa imensamente, inclusive pelo fato de que há hoje no país uma enorme quantidade de novas e independentes igrejas, quase todas elas estruturadas a partir do modelo coronelista, de imensa autonomia para o pastor e grande isolamento para o povo. É o “pinochesamento” da estrutura eclesial (I Pd. 5:1-3).
Se quisermos ser uma santa e forte igreja de Cristo no Brasil, se quisermos ser respeitados intocáveis líderes nacionais nesta geração, se quisermos nos tornar uma das maiores agências de missões e missionários do mundo, então necessitamos reverter o processo de administração autônoma, para um processo participativo, afim de que o diabo não alcance vantagem sobre nós.
Para que isso não aconteça é mister que observemos as instituições que o apóstolo dá nestes nove versículos de II Cor. 8:16 a 24:
1. É preciso que o líder espiritual seja o ministrador dos recursos, mas não o único administrador deles.
Paulo diz que o manuseio daquele fundo missionário era um desempenho de ministração de graça (19). Nesse sentido, o líder espiritual deve participar do processo de motivação do povo, e também do direcionamento ministerial do recurso para a visão da necessidade.
2. É preciso que o líder espiritual passe a outros a administração imediata dos recursos, mas é necessário que ele seja o ad-ministrador dos administradores.
O apóstolo diz que ele queria ministrar a graça daquele fundo missionário (10), incumbindo outros de administrarem de modo direto os recursos (16, 18, 22, 24). No entanto, ele mesmo está de olho, ainda que não tão diretamente, no destino do dinheiro. Por isso, ele se chama também “administrador”, mas no sentido de um “ad-ministrador”, ou seja, de alguém que ministra de fora, delegativamente, porém de modo responsável.
Ah! Como me custou aprender isso!
3. É preciso que os homens incumbidos da administração estejam acima de toda suspeita.
É interessante observar os termos de expressões que Paulo usa para descrever esses administradores. Eles são descritos como homens (24 –no sentido da dignidade, não do sexo), companheiros e cooperadores (23), pessoas zelosas e experimentadas (22), de imensa solicitude (16), de coração voluntário (17b), e de mente cuidadosa (17a). Além disso, eram pessoas de vida e condutas já louvadas pelas igrejas (18).
Que Deus nos ajude a achar tais homens para que os tenhamos ao nosso lado na Igreja ou na Missão.
4. É preciso que a escolha seja democrática.
Isso no sentido de que o povo da igreja ou a assembléia da missão devem eleger os incumbidos pela administração dos recursos. Paulo diz que não apenas bastou que o seu administrador fosse louvado pelas igrejas, mas foi necessário que ele tivesse sido eleito pelas comunidades ou assembléias para o desempenho daquela função (19).
Tenho certeza de que este foi o princípio mais difícil para eu escrever, pelo simples fato de que esta foi à área menos organizada de meu ministério. Deus nos guardou, mas não nos poupou de dissabores.
Por isso, enquanto exponho esses princípios estou assinando meu compromisso público de manter as contas da missão que presido sob periódicas auditorias feitas por firmas de auditoria escolhidas pela nossa assembléia anual.
Nas igrejas históricas isso acontece normalmente, mas nas igrejas independentes ou nas nossas missões ainda tupiniquins, tais critérios nem sempre vem sendo usados.
Que o Senhor nos ajude a continuarmos levando a bom termo nossa intenção.
http://www.caiofabio.com/2009/conteudo.asp?codigo=03194
Continua...
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