20 fevereiro 2013

A renúncia do Papa e os evangélicos do Brasil

Impactos reflexivos da renúncia do Papa Bento XVI nas denominações evangélicas históricas contemporâneas do Brasil

Por Lécio Dornas

Aos 85 anos de idade, 7 anos após assumir, o Papa Bento XVI renuncia à liderança da Igreja Católica, obrigando-a a mergulhar numa experiência que só encontra precedente há mais de 500 anos.

A pergunta presente na mídia é: Por que o Papa renunciou? Problemas de saúde? Idade avançada? Crise espiritual? Problemas políticos na estrutura eclesiástica? Disse Bento XVI que renunciou “para o bem da igreja”, ou seja, o fez para provocar o bem, para possibilitar o bem.

A coisa parece pender para a vertente da crise política no Vaticano. A estrutura eclesiástica parece estar ocupando mais as horas do Papa e consumindo mais sua energia do que o cuidado com o rebanho.

Perdida no emaranhado das brigas e jogos de poder em Roma, a igreja racha, colocando de um lado os interessados nas pessoas, em sua fé e vida e, de outro, os obstinados pelo poder, com os olhos na hierarquia eclesial.

O distanciamento das pessoas tem sua consequência agravada com o vislubrar da perda da nova geração; milhões de adolescentes e jovens católicos no mundo que, carentes de pastoreio, cada vez mais decepcionados e menos assistidos, vagam em busca de refúgio.

Ou Roma muda, se moderniza e se despolui da fumaça escura do poder, da riqueza e da fama ou assiste ao definhar gradativo, moroso, mas cadenciado e ascendente, de sua imagem e de sua influência na história. Isso, sem entrar nas questões de natureza teológica, que já machucam Roma faz tempo.

Diante do perigo iminente, a renúncia papal soa, por um lado, negociada e orquestrada para dar lugar a uma mudança de rumo urgente e necessária.

Mas, por outro lado, bradada por um visionário solitário que, não encontrando apoio e suporte para implementar as mudanças que entende necessárias, grita, através do gesto extremo da renúncia, a necessidade premente de mudança na igreja, sob pena de dor angustiante próxima.

Seja como for, a renúncia de Bento XVI obriga a liderança da Igreja a refletir sobre os seus próximos 20 ou 30 anos, que caminhos precisa trilhar e que transformações políticas estruturais e missionais precisa sofrer, para então discernir quem precisa escolher para ocupar o trono da igreja romana.

Assim, renunciando e saindo de cena, Bento XVI pode entrar para a história como o Papa que mais contribuiu para o progresso e o crescimento da igreja católica, posto ter provocado com sua saída as reflexões que, talvez, esteja encontrando resistências terríveis para ensejar enquanto ocupa o trono papal.

Normalmente, em qualquer cenário, um líder consegue, renunciando ao poder, o que nunca conseguiria apegando-se a ele.

Sem dúvida que a igreja romana vai levar um tempo para identificar, discernir e interpretar todos os impactos que a renúncia de Bento XVI já provoca e ainda provocará. Mas, e quanto a igreja evangélica histórica, especialmente no Brasil, sofrerá algum impacto com esta decisão do Papa?

Algumas reflexões emergem, a partir da análise do que a igreja de Roma enfrenta, no que diz respeito à igreja evangélica histórica no Brasil. Questões seríssimas que, sendo encaradas com coragem, oração e piedade, agora, podem evitar dores amargas logo à frente.

Construo a argumentação a partir de algumas relações facilmente verificáveis nos contextos denominacionais: a relação da militância política com a militância pastoral; a relação da sedução e busca pelo poder denominacional, com a liderança de amor e serviço; a relação das assembleias e reuniões ilusórias e irrelevantes com a vida da igreja local, real e relevante; por fim, a relação do foco no agora liderado pelo ontem, com o do amanhã que precisa ser liderado pelo agora.

Iniciemos pela relação da militância política com a militância pastoral.

Onde a igreja acontece, nos plenários das assembleias ou nas casas das pessoas, nas ruas por onde andam e nas mesas onde comem?

A igreja romana cresceu tanto que a militância política tornou-se a igreja de muitos.

Corremos o mesmo risco como denominações evangélicas históricas.

A igreja de muitos, hoje, já não é a vida das pessoas, mas sim a militância política.

Do que as pessoas precisam, como se sentem, por onde andam, não é o que importa.

Na pauta, está o debate, o parlamento, as discussões sobre as vírgulas e as semânticas dos Estatutos e dos Regimentos.

O amor, o ardor, o interesse e a dedicação com que debatem nos plenários parecem não encontrar paralelo no trabalho com as pessoas, nas igrejas espalhadas pelo país.

Quando a militância política empolga mais que a pastoral, é sinal de que precisamos parar para realinhar a nossa praxis com o Evangelho.

Olhemos, agora, a relação da sedução e a busca pelo poder denominacional com a liderança de amor e serviço. Ela relaciona-se com a anterior. A militância política atrai e empolga muito. É o caminho que dará acesso ao poder nas denominações.

Ser reconhecido como líder em uma denominação evangélica satisfaz a sede de poder e afaga o fascínio por ele, o que só se alcança através da militância política. O poder papal, ou poder de Roma, tornou-se mais convidativo do que as lágrimas e as feridas do rebanho.

Sendo assim, um cargo na estrutura de uma denominação é mais importante do que a reputação de um irmão. E o obstinado é capaz de denegrir seu próprio irmão na fé para ser o preferido para uma determinada função ou posição.

O cargo deixa de ser uma oportunidade para servir em amor e passa a ser uma chance para se projetar, para se lançar como líder. Então pode ocorrer de líderes inexpressivos que, após serem evidenciados pela estrutura denominacional, acabem até na liderança de grandes igrejas ou mesmo no exercício de cargos denominacionais bem remunerados.

Tal realidade reflete-se também no contexto da igreja local, onde o serviço de amor voluntário vai se tornando escasso, dando lugar ao desejo de ser remunerado, retribuído ou recompensado.

O poder traz riqueza e riqueza traz prestígio. E tudo isso adultera as relações de serviço e de abnegação que devem marcar a igreja.

Agora, vejamos a relação das assembleias e reuniões ilusórias e irrelevantes com a vida da igreja, como comunidade local, real e relevante.

Também aqui, trata-se de relação que nasce das anteriores.

É notório que as reuniões das Convenções, Supremos Concílios, Presbitérios, Sínodos etc, refletem pouco ou nada na realidade da igreja, como comunidade local e, por conseguinte, na vida dos fiéis.

A igreja, como uma comunidade local, é real e relevante. Pelo menos tem a oportunidade de ser. Ela altera a vida das pessoas, faz diferença no cotidiano onde está inserida. Ao contrário das assembleias e reuniões formais das denominações, tão distantes das pessoas.

Os debates intermináveis, discussões sem objetivo acerca de assuntos que sequer serão mencionados nas igrejas, acabam ocupando lugar proeminente na vida das pessoas, iludindo-as, fazendo-as crer que vivendo assim contribuem mais para o Reino de Deus.

Tiram os pés do chão ministerial e se deixam enredar pelas ilusões dos plenários e das reuniões pseudo-representativas..

Convenhamos, quando a ilusão substitui o real e quando o irrelevante toma o lugar do relevante, algo urgente precisa acontecer. Mudanças de qualidade precisam ser provocadas. Assim não pode continuar.

Por fim, e não menos importante, analisemos a relação do foco no agora liderado pelo ontem, com o do amanhã que precisa ser liderado pelo agora.

A igreja de cuja liderança Bento XVI acaba de renunciar, parece ter perdido o time. Deixou passar o tempo e não acompanhou as mudanças que a sociedade sofreu. É uma espécie de igreja de hoje, dirigida por uma ideologia de ontem, correndo o risco de perder a igreja de amanhã.

Quando uma igreja não acompanha as mudança da história, ficando na sua retaguarda, deixa de atender as demandas do seu tempo. E quando isso acontece, mudanças significativas precisam ser empreendidas para a recuperação do tempo perdido.

O risco que as denominações evangélicas históricas no Brasil correm é o mesmo. A necessidade de valorizar, capacitar e recepcionar a nova geração é premente, tanto para que a mesma deixe de sentir-se alijada, quanto para oxigenar as relações e as estruturas das máquinas denominacionais.

É fundamental passar o bastão. É importantíssimo receber a nova geração, conviver com ela, influenciá-la e deixar que ela assuma o seu papel de protagonista das histórias denominacionais. Ou isso, ou a repetição do bordão de Roma: o ontem liderando o hoje e comprometendo o amanhã.

Como vemos, a renúncia de Bento XVI tem impactos que reverberam para além do muros do Vaticano; chegando mesmo a repercutir na trajetória das denominações históricas ao redor do mundo e, em particular, no Brasil.

Cresce quem aprende com a história e não quem apenas a conhece. Evolui quem lê a história que acontece e não apenas a que aconteceu. Progride quem sabe que, o tempo todo, a história está acontecendo.

Os tempos trouxeram mudanças. Uma das mais importantes é a que estabelece um novo cronômetro para o aprendizado e para as necessárias avaliações. Não aprendemos hoje apenas com o ontem, mas também com o próprio hoje. Não avaliamos mais no depois, mas no durante.

Que a igreja evangélica histórica contemporânea do Brasil, uma vez impactada pelos fatos que acontecem ao seu redor, avalie-se, transforme-se, repagine-se; evitando assim a renúncia, não de um posto ou posição, mas de uma missão: “Mas vocês são a raça escolhida, os sacerdotes do Rei, a nação completamente dedicada a Deus, o povo que pertence a ele.

Vocês foram escolhidos para anunciar os atos poderosos de Deus, que os chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz” (1Pedro 2.9 – NTLH).




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